sábado, 9 de junho de 2012

Se Todos Fossem Rabujos Não Haveriam Pimentas

Entrou aos passos calculados, compenetrado, como se estivesse numa missão não humanitária, parecia ter um objetivo claro em sua mente e que iria concluí-lo em breve, a qualquer momento. Entretanto esse era um engano recorrente dos olhos que viam de passagem. Andava assim sem esforço, na verdade um hábito natural que aprendeu na adolescência. Achava sofisticado demonstrar indiferença até que um dia, de fato, tornou-se um alheio sentindo o ar da integridade e do bom censo, como se tivesse o espírito capaz de condenar os outros ao céu ou ao inferno sem cometer injustiças. Rabujo Soares não era tímido, nem desinibido, nem louco, nem pacato, nem sossegado, nem atormentado, mas tinha inveja. Inveja de voar como voa Elias Prudente, um velho conhecido dos tempos da Bahia.




Após os primeiros passos no salão avistou Marília Pimenta, gerando imediatamente consternações abdominais ásperas, como se tivesse engolido um punhado da flor do mandacaru. “Por que será que quando alguém goza da boaventura sinto dores gástricas?” – há de se concordar, caro leitor, que tal incômodo não é tão raro assim como alguns pensam – contudo, não demonstrou aflição. Passou sério, franziu a testa, não com desdém, mas sim como ferramenta indicativa de cortejo e parou um pouco. Pediu uma Heineken ao barman, encostou os cotovelos no balcão e saboreou o gosto amargo do malte junto ao lúpulo. Enquanto Marília Pimenta se aproximava – ora, observador nato que era notou a aproximação ainda no primeiro movimento – talvez para puxar um assunto, Rabujo Soares transbordava do néctar gástrico em seu estômago, cobrindo a manta de ácidos com álcool, para ver se amenizava a dor. “Tenho a opção de ignorá-la?”, naquele momento optou pelo não e ensaiou na cabeça assuntos para fazer sala, talvez comentar sobre o último filme de Almodóvar. Sim, porque Rabujo Soares era cool, odiava estereótipos e de tanto odiá-los, tornou-se um. Conhecedor do cenário alternativo da música e cinema, barba sempre por fazer, óculos de grau rayban tipo aviator, jeans colado à pele das pernas e camisa preta sem marcação alguma.


“Não, ela não deve conhecer nada de Almodóvar, vamos falar sobre estudos, sim estudos. Estamos na faculdade, ela faz letras, eu engenharia... isso mesmo, a greve, formatura, essas coisas”. Imaginava em seguida – esse ser que tanto pensava sobre as artes, mas era incapaz de fazer o principal, senti-las – que Marília Pimenta queria perguntar-lhe sobre Elias Prudente e seu sumiço, uma vez que ele era o elo de ligação entre Rabujo e Marília. “Sei tão pouco sobre o paradeiro de Elias quanto imagino ela saber”.


A cada passo que dava, Rabujo Soares mais afundava na agonia estomacal provocada pela prosperidade do semblante de Marília Pimenta, dividindo suas energias em duas partes: a primeira para controlar as expressões de dor, a segunda parte para pensar sobre o que conversar com Marília. Tamanho esforço que nem o ambiente climatizado segurou o suor que escorria pela testa. “Agora já dava até para sentir o cheio do perfume dela e eu ainda nem cheguei num resultado e já sinto as sequelas”. Marília Pimenta chegou ao seu lado no balcão, o decote dos seus seios chegou primeiro evidentemente, e como se jamais tivesse existido um Rabujo Soares, pediu ao garçom um caipirinha e saiu de volta logo em seguida. Rabujo Soares sentiu-se aliviado por saber, afinal, que não com ele o assunto de Marília Pimenta, e essa, na verdade, nem sabia que ele existia.

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