sábado, 24 de maio de 2008

Cabeça de Minduim

Deitados ao chão, num parque, Lucy cogita:
- Não são lindas as nuvens? Parecem bolas enormes de algodão. Eu podia ficar aqui o dia inteiro observando elas se mexerem. Se a gente usar a imaginação, ver uma porção de coisas nos formatos das nuvens. O que é que você acha que vê Linus?
- Bem, aquelas nuvens lá em cima parecem o mapa das Honduras Britânicas lá no Caribe. Aquela nuvem ali me lembra um pouco O Pensador de Rodan, aquela famosa escultura. E aquelas nuvens lá em cima, me fazem lembrar as ruínas do Barguenan e eu vejo o apóstolo Paulo de pé lá do outro lado.
- É. Isso é bonito. E o que é que você vê nas nuvens, Charlie Brown?
- Bem... Eu ia dizer que vi um patinho ou um cavalinho, mas mudei de idéia.

Esse é o nosso Charlie Brown, figura singular deste planeta. Criado por Charles M. Schulz em meados dos anos 50, a turma do Peanuts, pra mim, é uma das obras mais expressivas e uma das que mais me traduzem. O Charlie tem uma personalidade e alma impressionante. Ao mesmo tempo em que o garoto parece sofrer com uma velhice precoce, tem traços de uma infância bem resolvida e vivida.
Esse trecho inicial retirei do longa chamado “Um Garoto Chamado Charlie Brown”. Além de toda a qualidade e poesia que Charlie Brown aspira, há ainda a trilha sonora. Jazz! Isso mesmo, toda a trilha sob a responsabilidade do saudoso Vinci Guaraldi.

Admiro o Charlie devido sua complexa personalidade para uma animação, tiras e afins. Apesar de toda a frustração que esse garoto tem, ainda sobra espaço para o humor, brincadeiras e perseverança de um grande humano. O Charlie é muito mais humano que muito humano.
Quando eu crescer quero ser o Charlie Brown.

É claro que não falei o suficiente, mas acho que até você foi capaz de me entender. Então tá bom.

Passei um tempão sem escrever, ou algo parecido, por que estava absolutamente debilitado. Minha velhice precoce vai além da personalidade e do modo de ver a vida. Tenho medo. Mas vai ser preciso muito mais pra me derrubar, porque embora eu seja um desacreditado, ainda sim sou um bom vivedor.

Uma coisa diferente aconteceu. Poderia ser muito mais. Mas muito mais mesmo!!!
Devido o meu estado de saúde, tive que voltar ao aconchego do lar e nesse meio tempo, uns parentes precisaram do apartamento aqui na capital. Como disse, eu estava no aconchego do lar. O Alan, nesta semana, estava preocupado demais como um poeta louco americano e não apareceu por lá. O outro tinha um congresso em outro estado, enfim. Só estavam meus parentes.
Eu deixei bem claro que tudo que tinha lá era permitido o uso sem justificativas. E hoje, quando chego, me deparo com uma carta e quatro reais à amostra em baixo do jarro formado por flores descaradamente artificiais (não sei como esse jarro apareceu lá, mas ele me faz comprovar que Deus existe e por isso nunca o tiro de lá. Afinal de contas, é a única conclusão que se pode chegar ao comparar as flores naturais com estas. Eu não posso chamar de cópia ou imitação. Não consigo encontrar outra expressão que transcreva essa coisa, exceto os sinônimos de “descaradamente artificial”. E vendo isso, eu penso que se alguém consegue vender uma coisa dessas, eu posso ir muito mais longe).

Transcrevendo a carta:
Jorgin, estou deixando R$ 4,00 para repor a água. Não compre porque ainda tem um pouco no garrafão.
Seu tio Alberto.
Obs: tem um pacote de açúcar que eu trouxe aberto na porta da geladeira.



Isso me fez transbordar de alegria. Não por causa do dinheiro da água, ou por causa da cuidadosa
observação, mas pelo afeto que está nas entrelinhas. É comovente. De certo, me fez rir (o que é relativamente raro) e preencher meus olhos com um líquido salgado e incomum para mim.


Realmente, para achar isso brilhante e de amabilidade curiosa só eu, infelizmente. Bizarro para a maioria, provavelmente. Essa carta, como coisas bestas que vejo por aí me inspiram e fazem pensar que o mundo tem solução (por um instante somente).
É comovente demais, parece patético, mas eu não estou te obrigando a ler.


Tem duas ocorrências que vi em ônibus e que já fazem mais de 6 meses, mas custo esquecê-las e não quero.
Uma e a mais marcante foi um senhor com seus 65 anos aproximadamente e um provável neto, que já carregava uns 8 anos. Estavam do meu lado. E como eu não tinha nada de importante para fazer no ônibus eu abaixei o volume ao mínimo do mp4, olhei fixamente para a frente e me pus a prestar toda atenção que poderia prestar depois de um dia exaustivo, assim como os outros. Não consigo lembrar do conteúdo da conversa e tampouco seria significante. O que pude aspirar foi a conversa em si. A comunicação entre os dois era deslumbrante. Me deixou rigorosamente estático. A diferença aparente de 57 anos não dizia nada. Conversavam no mesmo plano, como se fossem duas pessoas e uma só alma. Os humanos, eles podem ser tão brilhantes. O que é uma pena é como eles são incompreensivelmente cegos e não conseguem notar o que são capazes de fazer sem o mínimo esforço.

Por isso e por outras coisas afirmo convictamente que não sou humano, embora tenha nascido (aparentemente) neste planeta.

Agora me sinto estranhamente feliz e não quero estragar isso por nada. Vou parar por aqui, antes que seja tarde.


Calorosamente abaixo de toda essa tempestade e dois edredons,
Jorgin, O Maneiro.

PS: agora consegui relacionar de alguma forma desconhecida esse meu estranho dia para se ter alegria, com Jorge Ben. Talvez por que ele nunca fez uma composição que não seja alegre. Não sei ao certo.

sábado, 17 de maio de 2008

Elevador Vazio

Pra não cair na rotina, desta vez não acabei de assistir nenhum filme, mas para não perder o costume vou recomendar um que assisti ontem aqui, sozinho. Chama-se O Clube da Leitura de Janes Austen. Bem, a primeira pergunta que se faz é: quem, por cargas d’água é Janes Austen? Clareando um pouco, digo que é “considerada” (entres aspas, por favor) a segunda maior e mais influente escritora inglesa, a primeira colocação, todos devem saber, fica com Sheakespare. Acho que não preciso comentar a respeito dessas ‘listinhas’ que se referem a ‘Best-Sellers’ ou aqueles famosos ‘The Best Of’. Ou pior ainda, ‘Os 100 Melhores Filmes do Século’. Essas coisas servem só como referência, pelo menos pra mim. Não dou valor considerável algum. Voltando ao filme, assista! Não se trata de um filme ‘retrô’ no cenário de séculos passado. Se trata de um grupo de mulheres com problemas singulares que se juntam neste clube, que por ventura, um homem entra. Parece ser um tanto fútil, mas não é. De certo eu consigo extrair um belo sentido em qualquer merda, mas essa não é qualquer merda.

Banhado pela influência das ‘fêmeas sonhadoras’ (abro parênteses aqui para explicar um pouco desse meu termo. Acho isso brilhante, sou entusiasmado por essas fêmeas. Parece ser uma citação machista, com um cunho meio preconceituoso, mas é exatamente o oposto. Conheço essas fêmeas de longe e sinto uma atração – não sexual, exatamente – inexplicável e inquestionável. Paixão, amor platônico ou qualquer outra palavra de qualquer outro vocabulário não se encaixa bem nisso, mas deixo que você o considere), ouço Carla Bruni. Sabem quem é, não é? Incendiário isso! Além de ser uma pessoa super-agradável (deixo a responsabilidade desse comentário para a rainha inglesa), essa francesinha linda canta suas músicas autorais com um suspiro-rouco-baixo-ultra-mega-sexy. O álbum que ouço é o ‘Quelqu'un M'A Dit’ (Alguém Me Disse) de 2003 (atenção extra para a oitava música, Le Plus Beau du Quartier, tem um vídeo desta de um show publicado no youtube, assista e me diga o que achou daquela coisinha magnífica assoviando como um pássaro afinadíssimo raro que nunca se viu seu ninho em canto algum deste planeta). Se Deus me deixasse escolher uma pessoa para eu passar 24 horas em contato e logo após morresse, SEM dúvida, essa pessoa seria Carla Bruni. Morreria feliz e esqueceria todo esse blá blá blá de frustração de meia tigela.

Sem mais meias palavras e delongas...


A algumas horas eu estava numa festa regado a amigos, garotas, bebidas e cigarros. Foi numa quarta. Eu posso ser louco, mas nem tanto. Participei (claro), mas sem exaltação, pelo pouco de sanidade que ainda me resta. A situação que quero descrever não diz respeito à festa, mas sim ao que houve após ela.

Já era tarde, tudo tinha ido embora, o que restou foram os efeitos da boemia e o cheiro de cigarro nos cômodos. Já eram umas 4 horas da manhã e me deparo com um choro ao longe. Estranho isso depois de uma ‘animada’ festa. Mas sou curioso e fui conferir. Olha lá quem era: o ‘pegador’ deitado no chão aos prantos, como um recém-nascido que acabou de sair de um útero confortável e quentinho. A primeira reação minha poderia ser a de rir, a de qualquer um seria isso. Mas eu sou estranho. Fui dar atenção como quando se dá a uma criança que caiu no parquinho e ralou o joelho.

“Que houve, velho?”

Perguntei por perguntar, qualquer um saberia que a única razão para tal pranto só poderia ser uma fêmea (desta vez não como aquela que sou regado de paixão). Não ousaria chamá-la de vadia porque não seria justo com ela, já que o que me influenciara era o estado ‘cachorro-bêbado-aos-prantos’ do amigo.

“Jorgin, me empresta o celular!”

Um ser normal diria: “Só se eu for louco! Veja seu estado!”. Mas isso não se enquadra a mim. Fiz o seguinte. Disse a ele: “Olha só, todos bebemos e não estamos exatamente conscientes. Então vá lavar o rosto, beber uma água, forçar essa voz de moça e pegue o celular em cima da geladeira”. Era o que um bom amigo faria eu acho. Dei a chance dele fazer o que queria no estado de mais pura sinceridade e criatividade.
Fui tomar um banho e 20 minutos depois ouço umas risadas. Não, ele não vai ficar com ela, mas o pior já passou! O final do filme foi feliz, não o quanto queríamos, mas foi. Pelo menos naquele instante.

Tem mulheres que fazem coisas estranhas (no sentido ruim). Com essas não consigo ter o mínimo afeto, no máximo um atletismo. (Assim como não suporto os carinhas que conheço de infância e hoje faço questão de virar meu rosto aos vê-los passar).
E é com episódios como esses, que de um estado de profunda melancolia (sem viadagem), como um poeta que envelhece lendo Mayakovsky na porta de uma alguma conveniência, que aspiro a coisa que vale a pena. Porque até mesmo um copo vazio está cheio de ar. Se não, chega a morte ou coisa parecida e aí?

Oras, afinal de contas, ser tão só quanto um elevador vazio tem seu lado positivo... Eu sei que se mesmo que a vida não me trate com amor, insisto em viver.

Caro leitor, peço desculpas pelo tédio e a falta de conteúdo atraente. Como forma de arrependimento, e uma maneira objetiva de demonstrar minha desgraça nesse pasmo literário, espero que aceite este humilde e sincero bouquet de parênteses recém-desabrochados com um perfume ímpar e impagável: (((())))

Com açúcar e com afeto,
Jorgin, O Maneiro

PS: Ganhei um bouquet desse pela primeira vez com J.D. Salinger, no conto "Seymour, Uma Apresentação".

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Man Vs. Wild

Crossroads. Recomendo! Excelente filme. Dirigido por Walter Hill, rodado em 1986 e tem como protagonista Ralph Macchio – aquele carinha do Karetê Kid, o pivete –, que interpreta um garoto branco da classe alta que quer ser um bluesman. Mas pra isso, não basta tocar um blues, tem que viver o blues. E conhecendo o velho gaitista Wille Brown, amigo do finado-saldoso-bluesman-fodão-do-capeta Robert Johnson, ele chega à encruzilhada e sente o blues além dos acordes com sétima.

Inspirado pelo filme, ouço Robert Johnson, aquele velho blues do Delta do Mississippi. Algumas literaturas afirmam que foi assassinado por tiros, outras que bebeu wiski envenenado, que foi espaçando e tal e a lenda persiste. Entre um mito e outro, só posso firmar uma coisa: ele realmente morreu! Mas o que seriam das grandes personalidades sem os mitos? Não me importo com isso, mas sim com a obra. (Caro leitor, não te peço para ler nada. Até sei que é chato, mas se prefere continuar, é por sua conta e risco.) É em palcos de madeira, meio comidos por cupins, é que se tenta mudar o mundo. Já toquei em desses, mais ainda não um blues.

Mudando do cuzcuz de milho batido pela dona de mãos encantadoras para uma Baden Gold gelada num solzão da praia do Saco de um dia de domingo...



O assunto é sério e minha carne é mansa.

Talvez poucas pessoas me entendam. Como (mal) sabem, moro de um certo modo só. Isso tem os pontos positivos e negativos. Realmente ainda não sei se vale a pena, mas como forma de experiência e conhecimento de vida, é graciosamente agradável (bem sei que tenho alguns ‘luxos’, como não me sustentar financeiramente por exemplo, mas vale. Filmes como esse que acabo de assistir – se bem que um homem não se mede pela quantidade de filmes que assiste, mas sim com a quantidade de trabalho – me mostram que tenho que passar por isso e por coisa pior, e é o que venho buscando. Não que eu sinta prazer em sofrer, como é mesmo que se chama? Ah! Sadomasoquismo. Não é isso mesmo! Mas é quero um dia plantar uma árvore, escrever um livro, gravar um álbum e ter um filho, ou mais, de preferência. Para árvore quero fazer uma jangada, não uma jangada comum e bonitinha, mas um que me faça tremer os joelhos quando vê-la. Do livro espero que somente as pessoas que façam parte de minha vida o tenham, nem precisa ler, afinal de contas sou péssimo nessas coisas, você sabe disso. Do álbum espero escutá-lo todos os dias, é evidente que não vou cantar, só quero vibrar a cada pizzicato, thumb e slap que eu executar. E finalmente – agora sim cheguei onde você talvez me entenda na parte que antecede esse parênteses imenso e fabuloso que estou prestes a fechar, aliás, esse está sendo o parênteses mais importante da minha vida – do filho ou filhos, espero ter muitas, mas muitas mesmo, histórias para contar. Tanto fatos surreais, quanto sonhos reais, entre um e outro estão dentro os delírios e as frustrações).

Caríssimo, deve estar cansativo, talvez até desagradável. Estou lento e não cheguei nem a uma milha de distância. Mas se você chegou até aqui, seja forte e continue. Não sei a causa que te fez chegar aqui, mas... Esquece, em suma, continue!

Como a um tempão atrás eu estava escrevendo, moro só e pan e tal... Uma coisa me chamou atenção a pouco tempo atrás. Sou um sujeito que até algumas horas me considerava preparado.

Bem, vim do interior morar na capital (não que seja uma capital escrita com letras de fôrma, mas é aqui onde as coisas crescem nesse estado), e como dizia Raul Seixas, “ao chegar do interior inocente, puro e besta”. Na língua aracajuana eu não sabia falar um “oi” ou dar um “tchau” com a mão. Aprendi muita coisa nesse meio tempo. Aprendi que não se deve confiar em motoristas de ônibus, por que eles não têm mães. Aprendi também que um macarrão só está no ponto quando o arremessamos no azulejo e ele gruda. Aprendi que não se deve fazer cobrinha perto de um canal de esgoto e por aí vai... Extraindo o importante disso aí eu pensava que sabia “me virar”, que já era “crescidinho” e estava virando “alguém”. Mas uma coisa me fez refletir (filosofia barata, na verdade). Puta que pariu!!! Me deu uma dor de barriga miserável. Minha barriga parecia aquelas de um alemão pós-segunda-guerra-gordo, uma boina verde com uma pena branca na cabeça, um par de botinas nos pés e um calção também verde segurado por alças que atravessam os ombros, sendo que em sua mão esquerda está um canecão enorme de vidro com chopp até a beirinha e sua outra mão limpa a espuma do chopp em sua bigode grisalho. Consegue imaginar a dimensão? Passei mesmo mal.

Mas eu sou “grandinho”, “sei me virar”. E agora o que faço? A quem recorro? Não posso sair no meio da madrugada para comprar remédio a quase meio quilômetro de distância nessas condições, nem sei mesmo o que devo tomar. Eu já rezei. Me deitei, sentei, levantei, pulei (esta última só fez piorar) e nada. Merda !!! Também não saia.

Agora só pensava em uma coisa, ligar pra minha mãe =/ (desculpe por este “emoticon”, mas estou sem graça e adoraria que você não fizesse comentário algum). Mas ela está a quilômetros de distância, não poderia me ajudar. No máximo indicar algum que remédio que só ela sabe que me dou bem, mas mesmo assim eu não sairia para comprar. O fato é que a voz, a preocupação que só uma mãe tem, me traz um suspiro e enche meus olhos de lágrimas (como estou agora) e isso me dá esperança. Vai passar!

Não pude vencer o “selvagem”. Perdi. Minha carne mansa perdeu. Ainda sou um quase nada e estou longe de conquistar alguma coisa. Se não fosse esta dor de barriga iria demorar mais para perceber isso. Senhor, muito obrigado por esta dor de barriga fabulosa no momento mais importuno. Obrigado também por ter um telefone celular e por minha mãe ter acordado. E obrigado pela minha cabeça oca de cabelinho de sapo.
Não quero e nem posso me exceder mais. Já já tenho que estar de pé para gritar ao mundo da varanda do apê que sou um lobo louco enfrentando o habitat que não deveria fazer parte.



Cordialmente (como nunca),
Jorgin, O Maneiro

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Strawberry Fields Forever

Bem, a pouco cheguei ao nono (talvez último, não sei bem) episódio da 4ª temporada do melhor seriado norte americano que já pude assistir, Lost. Melhor até que Heroes. Lost é viciante e envolvente e a Kate, a sardenta mais sexy que já vi, é um colírio.
Agora estou na república. Alan e Mael dormem como bebês e eu estou aqui, sóbrio, mas nem um pouco lúcido. Ouço o álbum Guentando a Óia (1996) da banda “pernambucana” Mundo Livre S/A. Pernambuco sempre me surpreende, sua cultura, seu povo, tudo isso reflete na musicalidade de alguma forma, e Mundo Livre S/A – diga-se de passagem, melhor representante do movimento manguebeat – sou eu encarnado em notas musicais e muito samba groove.

Tranquilo? Vou ao que não te interessa.
Tenho sonhado com freqüência, ou no mínimo lembrado dos sonhos ao acordar. É sempre estranho isso – tá aí uma palavra que conheço de perto.
Eu sou composto de frustrações e dores, isto favorece os sonhos. Essa é minha fraqueza... e minha força.
Os sonhos são como os morangos, delicados e apreciáveis. E imagino que, no leito de morte, à beira de um precipício, em seu último passo, só se pode pensar em uma coisa: nos seus campos de morango, aqueles que você cultivou durante toda a vida. Os sonhos na verdade, são doces como morangos. E perto da morte eu só quero provar um único morango que cultivei, pra parar de pensar em todo o resto, e manter a concentração no paladar, na doce poesia que posso degustar naquele morango carnudo e avermelhado. Pra não sentir dor. E aí? O que eu fiz? Não quero que meus sonhos murchem feito maracujá velho.
Lembrei de uma música de Oswaldo Montenegro, A Lista.

“Faça uma lista dos sonhos que tinha,
Quantos você desistiu de sonhar?
Onde você ainda se reconhece?
Na foto passada ou no espelho de agora?
Hoje é do jeito que achou que seria?
Quantos amigos você jogou fora?
Quantos mistérios que você sondava?
Quantos você conseguiu responder?
Quantos segredos que você guardava,
Hoje são bobos e ninguém quer saber?
Quantas mentiras você condenava?
Quantas você teve que cometer?
Quantas canções que você não cantava,
Hoje assovia pra sobreviver?”

Pra mim isso é trágico. Eu só quero o gosto forte do morango em minha boca, não quero pensar em voltar no tempo, nem ficar me lamentando por aí. Tenho que seguir a trilha certa. Essa trilha só se segue quando não se pensa muito. Quando se faz por instinto, quando segue aquilo que realmente é e não aquilo que quer ser.
Isso é minha fraqueza que me faz mais forte. É uma faca de dois gumes. Cultivar morangos é ótimo, alimenta a alma, mas ao vivo a vida pode ser bem pior.
Eu tento seguir a máxima de Wally Salomão: “Eu tenho os pés no chão, mas a cabeça eu gosto que avoe”.


Quero meus campos de morango para todo o sempre. Quero lembrar de cada semente, cada furo na terra, cada dia que levantei cedo e reguei com cuidado, cada fruto que deixei cair, cada fruto que compartilhei com os outros, aqueles que peguei com meus pais e amigos, os que apodreceram, quero lembrar de cada praga e como detê-las. Quero lembrar das dificuldades de cultivá-los e dos lucros que podem me dar, sem esquecer das chances de prejuízo.

Amigo, se teu próximo passo for o último e você olhar para o lado e não ver nenhum campo de morango, a dor será tudo que te restará.
E se você for um sonhador, guarde um sonho bom pra mim.

Sinceramente, às vezes sonhar cansa.


“O sonho ainda não acabou”
Jorgin, O Maneiro