quinta-feira, 1 de março de 2012

Tonho Tristonho

Não que fosse um ser genuinamente deprimido, na verdade, de tudo que havia em sua volta, era o mais espirituoso. O que ocorre é que Tonho Tristonho nasceu com uma maldição: tudo em que ele encosta torna-se triste, inclusive as pessoas. Às vezes rapidamente, às vezes de um modo mais lento, não há especificamente uma lógica nessa metamorfose, apenas o fato de que virá. Ao ligar o rádio, repentinamente as canções tornavam-se mais alcoolizadas, com uma melodia boêmia natural dos poetas mortos pela tuberculose, ou solidão.
As plantas que regava nunca duravam muito, no outro dia pela manhã já apresenta sinais de desidratação ou fungos, até morrerem. Seus pais, conhecedores da maldição – e cá entre nós, responsáveis por ela – raramente abraçavam Tonho Tristonho e evitavam até um aperto de mão. Não havia comemoração para nada, bastava Tonho surgir que o ambiente ficava impregnado com uma tristeza vaga e indefinida, exceto ele, que se abstraia dessas situações, mas que por ventura quando acontecia, acabava também sofrendo as conseqüências, não por sua maldição, mas pela culpa de sua presença ser o agente ativo definidor do desfalecimento da atmosfera.

Falo isso como conhecedor da causa, mesmo porque fui dele um dos poucos amigos que tinha. Ora, já que minha natureza humana é abatida, o contato com Tonho Tristonho não modificava meu estado de espírito, muito pelo contrário, eu modificava o dele, só não tenho certeza se positivamente ou negativamente. Não havia uma cura para seu mal, nem mesmo um diagnóstico plausível. Doutores de diversas áreas foram consultados, mas foi em vão, fisiologicamente e psicologicamente era um ser normal, isto é, dentro do que a medicina enquadra como tolerante.

Na adolescência não foi muito difícil relacionar-se com as meninas, sua capacidade de companheirismo aliada ao ar sobrecarregado de melancolia derretia os íntimos alheios que levavam consigo alguma mágoa. Mas nunca passava de casinhos juvenis e passageiros, e graças a Deus, diga-se de passagem, jamais tivera se apaixonado por nenhuma delas, acabava sempre quando a garota conhecia um rapaz mais austero e imprudente. Tonho Tristonho já estava acostumado com isso e não se importava, achava até saudável para todos o fato de não provocar e nem ser provocado por sentimentos de afeto. Ao contrário de mim jamais sentiu a ternura de um amor correspondido e tampouco a agonia que uma paixão pode importunar. Fora assim até conhecer Risoflora. Extrovertida, um punhado de cores, olhos brilhantes, cabelos cacheados soltos e dentes brancos como penas de garça, até então sua face jamais fora vista sob um tom menos vibrante. De algum modo virtuoso ela parecia ser imune a maldição de Tonho Tristonho, o que o encantava ainda mais, sem contar a incrível habilidade de Risoflora cativar os corações mais tímidos e solitários.

Triste engano. Com o contato cada vez mais íntimo e constante, apesar de jamais terem um envolvimento afetivo próximo de um relacionamento – não por força de vontade de Tonho Tristonho, que sempre renegou a covardia com muita perseverança e flertava com freqüência com a jovem sonhadora Risoflora, mesmo ela nunca compreendendo e sorrindo como era seu costume para desviar a atenção dos outros para o que não a interessava – Risoflora, agora, já não ria tanto. Um pouco de sua alma se foi ao absorver o espectro da maldição de Tonho Tristonho e receber um sorriso seu havia se tornado raro, quando não, era apenas a distribuição de um sorriso senil, moderado e pouco intimidador.

Quando se está apaixonado dessa forma, ninguém nunca quer mudar nada – e nem deveria. É tudo perfeito como está, não há o que melhorar, nem piorar, apenar ser como é. Tonho Tristonho preferia ver Risoflora como era antes, nem que para isso tivesse que abdicar da atração pela sua presença. E foi o que fez. Tornou-se água: insípido, incolor e inodoro.

Tenho que dizer, Tonho Tristonho, sou um pouco como você.

2 comentários:

  1. Tonho Tristonho parece uma pá de gente. Até mesmo eu.
    Du k-ralho o texto!

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  2. Quando alguém diz apreciar, então eu aprecio também. Muito bom ter gostado! Às vezes não estamos em Tonho Tristonho, mas ele está em nós (rs).

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