quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Verão de 2008

Observador detalhista e matuto que é, às vezes deparava-se com pessoas e seus movimentos, gestos, faces, vozes, roupas e as julgava. Imediatamente julgava. Por mais que o bom senso seja contrário a esse tipo de atitude, Nelson vê apenas ironia. Não se pode ir contra a natureza humana, e essa natureza é falha. O bom senso representa apenas o que os humanos querem demonstrar o que são e não o que de fato são. Ele é honesto o bastante para admitir isso.



Ainda jovem e viril, Nelson pensava apenas na sua morte – ou melhor, o que levaria consigo. Para ele, quando vamos embora deixamos tudo, exceto uma lembrança. Conforme suas leis divinas apenas uma memória deve estar afiada na mente. E esta ele já tinha.

Durante as férias a família Gonçalves fora visitar parentes distantes no interior de Pernambuco, à margem do Velho Chico, como já era de costume. Uma confraternização foi preparada, nela estavam presentes, além de parentes, os amigos. Estes, curiosamente Nelson jamais tivera conhecido. Agora, em sua juventude, tem uma porção de amizades, e pensa que será assim até o fim dos dias. Seus pais também poderiam pensar assim naquela época, mas hoje Nelson os vêem apenas com os vizinhos da rua em que moram, os colegas de trabalho e os do clube. Amigos mesmo, nenhum.
O Sr. Gonçalves, já depois de muitas cervejas, veio abraçado a um sujeito curioso.
“Nelson, quero que conheça Sebastião. Esse aí é um charlatão, meu melhor amigo de infância.” Risos foram disparados pelos dois para todos os lados, enquanto o braço de um ainda estava sob o ombro do outro, passando por trás da nuca.

Nelson colocou-se de pé, sorriu timidamente, apertou a mão de Sebastião e sentou. Ora, ainda sóbrio naturalmente essa interação social seria impossível para o jovem.

Enquanto apreciava a cerveja, seus olhos voltaram a espreitar todos. Quando passou por Sebastião, seus olhares colidiram e ambos desviaram sincronizadamente, como ocorre conosco todos os dias. Nelson queria conhecer mais aquela figura, o melhor amigo do seu pai. Um homem de ar vadio, descuidado no vestir e com uma barba selvagem, óculos, tira de couro no pulso direito e um par de piriquitinha nos pés. “Um sujeito curioso”, ele pensou.
Como observador desatento, sempre era pego visto olhando para Sebastião e vice-versa, até que o constrangimento de Nelson absorveu uma dimensão grandiosa. “Puta merda, por que será que ele tanto olha pra mim?”. Nesse meio tempo Nelson pensou muita coisa. Sebastião gostaria de conhecer o filho de seu melhor amigo de infância? Ao perceber ser observado, Sebastião desconfiado passou também a observar? Sebastião estava olhando para alguém perto de Nelson e a distância não permitia direcionar o foco daquele olhar? Sebastião é gay?!?

Enquanto o tempo passava a cerveja acabava, pessoas iam embora, os mais dispersos iam se aproximando e interagindo, até que se formou apenas uma mesa com seis pessoas dispostas quase de um modo organizado. Sebastião se acomodou ao lado de Nelson e aquilo o consumiu. “Caralho!”, seu cérebro retrucou.

Apesar do consumo de álcool, Nelson estava encabulado com a situação. Levantou-se para ir ao banheiro como uma forma de desculpa para se retirar do local e ao mesmo tempo, poupar-se do constrangimento. Sebastião também se levantou e o acompanhou em seguida. “Ferrou!!!”, falou bem baixinho consigo mesmo.

Antes de entrar no banheiro Nelson girou o corpo e o encarou. “Algum problema amigo?”. Sebastião sorriu e disse: “Calma. Calma, rapaz. Nada não”, ainda rindo Sebastião continuou, “Vi que estava olhando para mim o tempo todo, você também percebeu?”.

Nelson ficou estático, o sangue teria evacuado da cabeça. “O que? Do que está falando?”

Sem deixar de contrair o sorriso dos lábios, Sebastião assumiu: “Muito prazer, eu sou você amanhã.”

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