quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Não É Só Mais Um Conto de Natal (Parte 1)

Caminhava em passos longos, olhando para todos os lados inclusive para trás. Foi assim durante toda a última semana de dezembro, mas de nada adiantou.



 
Os ciganos acabaram de chegar à cidade, como era de costume no final dos anos. Previam o futuro e havia apresentações de animais exóticos e até alguns espetáculos circenses em troca de dinheiro ou qualquer objeto de valor.
Armando gostava desses dias, todo final de ano esquecia-se dos seus problemas por se entrelaçar dentre as pernas da cigana Julieta, assim como ocorrera nos últimos cinco anos. Todavia esse ano foi um pouco diferente. Depois de culminar o coito, a cigana Julieta deitou sobre o peito de Armando, pegou a mão direita do rapaz e intuitivamente começou a ler, não que ele havia pedido ou permitido e nem que ela o fez intencionalmente, apenas aconteceu. A verdade é que Armando era cético demais quanto a qualquer espécie de previsão, inclusive a dos economistas quanto às taxas de juros e tendência das bolsas de valores pelo mundo, e até mesmo cético em relação aos meteorologistas e comentaristas futebolísticos. Após ler sua mão a cigana Julieta fez uma cara de susto levantando as sobrancelhas, mas não disse nada. Como curioso nato Armando perguntou do que se tratava e a cigana respondeu com seriedade:

- Preciso usar métodos mais ortodoxos para confirmar.

Armando riu pensando ser mais uma piadinha sarcástica quanto ao seu ceticismo, mas não era.

- Tudo bem então, hoje você pode ler tudo.

Julieta se levantou, colocou seu vestido rodado, sua sandália, suas pulseiras de contas e colares e brincos, amarrou os longos cabelos negros, saiu com um pé e voltou com o outro, segurando uma caixa de madeira. Sentou por cima das suas pernas e pediu para Armando fazer o mesmo de frente para ela. Tornou a olhar sua mão, mas sem demonstrar nenhuma emoção desta vez. Retirou as cartas de tarô e fez suas previsões. Jogou os búzios, leu o quiroga, consultou os astros, viu na bola de cristal e tudo mais. O resultado era sempre o mesmo.

- E aí Julieta, do que se trata? – Armando perguntou já um pouco preocupado pela ausência de expressões.

- Não consigo achar outra palavra para descrever tudo o que vi em seu futuro a não ser merda – Julieta continuou sem expressão – Venha, ponha-se de pé e descalço na terra batida e me dê sua mão direita.

Assim Armando fez.

Julieta também ficou de pé e descalça. Pegou um ramalhete de oliveira com a mão direita e segurou a mão de Armando com sua outra mão. Pisou a ponta dos seus pés nos pés de Armando e começou a olhar nos olhos dele. Armando nunca tinha visto isso e não sabia qual era a intenção, seus batimentos aceleraram ao perceber que a cigana Julieta estava numa espécie de transe. Boca aberta, como se os músculos daquela região tivessem relaxados e olhos que vibravam aleatoriamente, mas sem perder o foco. Enquanto começava a doer o aperto de mão e a pressão dos pés da cigana sobre seus pés, o ramalhete de oliveira que balançava como se estivesse varrendo a terra, antes verde e forte como um cipó de goiabeira bem aguado, ficou seco e frágil. Ao cair as primeiras folhas Julieta despertou daquele estado:

- Desculpa Armando, não posso fazer mais isso. Nada pode mudar o que está para acontecer. É melhor que não nos vejamos mais.

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